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O MITO Alex Solnik
Carlinhos Lyra me recebe em seu aconchegante apartamento que fica em Ipanema, é claro. É o único bairro do mundo onde ele moraria. É fácil sair dali, pegar um avião e fazer mais um show no Japão. Mas, jamais, morar no Japão, pegar um avião e fazer um show em Ipanema. Ele me cumprimenta afetuosamente. Pergunto onde está seu violão. “Não tenho em casa, só no meu escritório” explica ele. Carlinhos nem desconfia que, para mim, ele é um mito. Pois nunca admiti que um ser humano comum, um mortal como eu, fosse capaz de conceber canções como “Minha namorada”, “Primavera”, “Marcha da quarta-feira de cinzas”. Quando ouço qualquer uma delas – e outras de suas obras-primas – me dá, ao mesmo tempo, vontade de chorar e de gritar de alegria. Olho-o atentamente, tentando descobrir de onde brota tanta inspiração. Como cabe tanto talento dentro de um cérebro humano. Acomoda-se numa poltrona ao lado da janela. Procuro entender, enquanto não começa a contar suas histórias porque nós, brasileiros, não temos o direito de ouvir sua voz a toda hora nas rádios. Porque não o vemos nos horários da TV. Procuro, mas não acho respostas. Ele está cantando melhor do que nunca. As músicas e as letras têm a mesma força e o mesmo brilho. E ele é tão bom cantando quanto contando suas aventuras musicais. Aparentemente tímido, guarda no peito, no cérebro e no coração um tesouro musical ainda pouco conhecido. Há quem pense que, depois das canções antológicas que fez nos anos 60 e 70, sozinho ou em parceria com (principalmente) Vinicius ele estaria vivendo desse glorioso passado. Mas não. Ele não parou de compor. Nem de cantar. Só que, por um desses inexplicáveis mistérios do showbusiness nacional há menos espaço reservado para ele do que para alguns paraquedistas musicais sem talento nem tempero. Ele é um mito, embora não se comporte assim. Talvez por ser simples e singelo demais. Estamos acostumados com a idéia de que mito é excêntrico. Extravagante. Mito não pode ser um cara que fala com a gente de igual para igual. Mito não pode ser pontual. Mito tem que beber ou fumar. Ou cheirar. E Carlinhos não faz nada disso. Faz música, apenas. É um mito que o Brasil ainda não descobriu.
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